Nino, niño, ninho


Meu peito é um vaso
que se enche
e se parte
E porque a roda é gigante
meu canto está no chão
é o olho do passarinho
que dentro traz a migalha de pão

[ouvi dizer
que pras bandas de Betim
celular já vale mais que filho
ouvi dizer
celular já vale mais que filho, que célula
dizendo te amo
no celular
eu o ouvi dizer
que o amor já morre assim
nas bandas de Betim]

Meu peito é um pão,
migalha
do pardal bicada
desfiada matéria parda
do lageado despedaçado pedaço
feita coração

coronária Pedra de Lioz
matéria de suportar
luz caída na poça
gigante roda deitada
esmagadora dor a da esmigalhação
meu olho d'água
é um chão














Partido

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Partiu no escuro
sem nenhum perfume, sem brisa, sem cor
Não luziu nem zuniu
duro e áspero
pálpebro
úmido
ainda
que gasto
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Volta vazia a vasilha
a corda e vidro atirados aos redondos miúdos lagos
já sem arcos
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o amor
se esvai pelos olhos
que secando ao clarão
acordam para um dia
fechados
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Para vinte e um quatorze


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Morrerei neste século, creio
- até que a ciência me prove o contrário a arte
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Epitáfio antecipado:
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Vive este meu corpo, este meu pedaço
neste meu novelo desemaranhado,
nesses meus dedos de osga sem rabo
a puxar do teu pé o joanete
a te gelar o calo
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ARREPIA-TE!
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[ Morrerei neste século, acredito
- até que a arte me prove ao contrário a ciência,
a declarar que tudo isso aqui não passa de um fenômeno estático]
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Cartão do Ano-Novo


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Te desejo felicidades!
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Foi bom
enquanto dura
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Comas

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cuida das cartas das palavras da torneira que vaza cuida da infiltração da maçaneta da bateria da conta do lixo do almoço do prazo do trampo e da mala cuida todo dia dos meninos do teu casamento do teu amor dos livros do limo e do pó da sala
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cuida,
[que numa vírgula tudo
se acaba]
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Fogo morto

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Por que te importas,
se a vida dessa chama que acendemos,
dessas fagulhas que alastramos,
se dá pelo que não se usa,
pelo que não se quer,
pelo que não desejam
ver como fogo então?
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Aprende: a medida de cada chama
vem da parte dela que já se faz morta
O resto é incêndio
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Domado, cativo ou inventado,
quase perplexo
nasce esse fogo assim então:
que da sua essência e da sua vida
já seja desde sempre essa centelha
a do não
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Supermercado

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Se todo beijo é para todos,
se todo abraço é farto e fácil,
que medida e que sentido têm
aqueles que guardas para dizer
que você é minha,
e que eu te basto?
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É a mundial organização do comércio
em pândego
pela quebra da bolsa vermelha
que aberta engole o universo
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Dizem que não há luz nos buracos negros
Eu não vi. Eu sei
O que foge de minha vista,
tranca o beijo,
afasta o laço
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Vai te provar o escasso
o quanto não sou teu
e quem sabe descubras para que te basto
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[ A novela está passando:
- Tu me usas, eu te uso...
- Conjuguemos juntos o verbo supermercado ]
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Se todo beijo é para todos,
se todo abraço é farto
que medida e que sentido têm
aqueles que guardas para dizer
que você não é minha,
e que eu te casto?
.
Dizem que não há luz nos negros buracos
Eu não vi. Eu sei
O que fugiu à vista,
apertou o beijo,
enrolou o laço
.
É a mundial organização do comércio
em sôfrego
pela quebra da bolsa vermelha
Aberta ela engole o supermercado
.
Vai te provar o escasso
o quanto sou teu
e quem sabe descubras para que teus Bastos
.
Se todo beijo é para todos,
se todo abraço é fácil,
que medida e que sentido têm
aqueles que guardas para dizer
que você não é minha,
e que eu teu Castro?
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Tesouro

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O que guardas para ser só teu
é o que gera o nome desse ouro
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Tesouro já é a vontade que guardo do que guardas
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Tesouro já é a vontade que guardo disso ser
só meu
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