Incolor

.
Esqueço hoje do sol
bem debaixo do Sol

As flores estão rosadas
As rosas paralisadas
de um amarelo indolor

Incolor






_

1

.
Você pode me procurar naquela hora exata
Naquela hora
em que procuras, em que eu procuro

Mesmo que eu esteja em prantos
Mesmo que esteja em sono profundo
Eu procuro
mesmo que eu não esteja procurando
Mesmo que eu não esteja
em prantos
dormindo

Eu poderia gritar desse jeito
- e você sabe como um pneu esfumaçante pode gritar
Você pode me procurar
mesmo que eu não esteja
procurando
nada
Mesmo que eu não esteja
Você pode procurar




_

Pomares

.
Cala-te
que já ouço
de novo a música
- são as musas
correndo
ao meu socorro,
como sempre
quando se agravam
os apuros

Me levarão novamente
para aquele novo lugar
onde os frutos são sempre mais maduros

Cala-te
que esta música me colhe pelo pomo
enrola-me pelo pescoço
sufoca-me para um novo transporte
pelo beijo da solidão

É das palavras que dançam os ares
sabem disso os murmurares
da musas em colisão
musares músicas musarem

Mas cala-te
que só do silêncio
surgem esses novos pomares

E se entro aqui por um grito
é porque só a palavra
pode me mostrar esses acres
Só a palavra cresce nos ares








_

Não responda

.
.
Você não diz, mas sabe
como seria muito mais fácil
se eu fosse um calhorda, um patife,
um canalha, ao gosto da língua da tarde

É com o que todas estão acostumadas
- e assim aguardam e querem, fiéis à regra
Sim, afinal todos os homens realmente são iguais
porque todas as mulheres são iguais:
não se livram de os desejarem assim

E nesta pequena cidade ainda há
todo esse casario, cheio de visagens
Calafrios!
Se eu me der por inteiro correrás
de medo da minha outra metade
Acaso, o que farias se eu procurasse
o que não tens, essa sua outra parte?
Cala-te!

Sem utopias, sem mistificação,
o mundo segue como parece que deve ser:
desde sempre, tacape, caverna, escrotidão
pau, cu, boceta, propriedade, procriação

Oh! Onze tiros de canhão! Um hurra!
Um viva a esses belos caminhos maravilhosos
da sobrevivência da espécie
e da evolução!














_

Memorial

.
.

Para uma dor que passou
e para a carta que do correio voltou
Para acabar de perder o que não tenho
e tudo que não se passou

Para não ter
e para ter o que deixar
Para não mais no verso seguinte pensar
Para cair e levantar
Para dormir e para acordar

Para apenas poder contar e
para o que os corações não podem aguentar
Para ganhar só o que guardar
quando setembro acabar

Pelo bem de todos que não sejam nós
Pela lei, pela ordem e pelos costumes nos
quintais, corações, salas de embarque, cestas de legumes
Pela paz reclamada nos infinitos mundos -
onde quer que agora eles se encontrem e fundem


Esqueçamo-nos!



(que já sei, afinal, um memorial
se faz para, melhor, de algo
assim não mais se lembrar)











_

Soterro

.
Eu

vou despejar
.......mais este
verso


para
soterrar o
...........anterior

e sei
que
......depois
........outros
......versos
cairão
...por cima
..........desses

e por cima
deles
outros
e depois
outros

dias
após
.....dias
após
......outros
anos
...outros

.....e outras
pessoas
.......palavras
desejos

até
...que
caso
decidas
responder
..........afinal
não mais
.....ouvirei
nem
poderei


e
por
......isso
mesmo
de tão
.........distante
aterrado

....nem mais
me
preocuparei
....deste
estado

da
distância

que é
....surda,
cega
e não tem
coração
.........também
(aqui
......
.......no meio
destas pedras
profundas)

porque
veja só
.......como é fácil
deixar
isso
.....tudo
para
........trás

camadas
a camadas



e vou
despejar
.......dar a
......escrever
.................sem
motivo
mesmo
...........sem
.................querer

tabulando
os espaços
..........mais fáceis
.....e os parágrafos
mais
falsos
.........gratuitos
......e
nervosos









....para
andar
em
.......frente

afastar

e
....erguer
.........esta

intrasponível
armadilha
...........estratificada

.........imponente
............sólida

para
...ti
.....e para
..mim



para
.....nem
mais
quereres
........ler
....mais
.........de
duas
vezes
.. estas
.......pa
......lavras


para
que
.........eu
mesmo
me
.......canse
........de
.......tentar
chegar
......escavando

............
por
..........elas

até

aqui

....mais
...uma

.........vez


.....a





você

















.

Aparição

.
Sua imagem
faz verter
de meus olhos
uma felicidade
desmedida

Sua presença
assim também desmedida
de tempo sem tempo
faz
um dia inteiro valer
uma semana
uma vida inteira valer

Porque
você é minha
aparecida

Você é minha
aparição



.

Volátil

-
...então eis que dás-me assim esse incêndio de tua foto queimando
joga-a nas minhas mãos já inflamadas, só pra veres escapando
entre inertes dedos flamejantes
a imagem

mandas perder e guardar
na memória
dentro daquela mesma gaveta em chamas

para te ter e não ter
para querer ter de tanto não
a queimar-me

acaso queres incendiar o ar?
inflamar a chama e o fogo com mais fogo queimar?
esqueces ou teces?
essa brasa marca minhas retinas que não ardem
muito além desse outro olho que a tela se faz
tão cego de tanta luz a que dá-se

(sim, tu sabes
mandar te perder assim
é só para ganhar-te)

então joga-me de vez todo esse álcool
acaba já esse vasilhame
que já odeio agora esse estado volátil
das não-coisas que ardem ou não ardem
e que não acesas desaparecem
em contato com o ar...

faz muito frio
quando estarmos aqui é não estares e não estar-me

então quero essa pira agora
até os limites do ares
queima-me
invoca-a com todas a forças

até esse frio que sobrará
até o fim
dos fins de todos os nomes do começo

até consumir-me ao estado mais bruto e real
- dentro dessa pedra negra há um diamante
cuja beleza indescritível
a luz
ainda não viu
como só um dia
viram minhas mãos

ele é sólido, reluzente
e funda-se no prazer
de se poder
pegar

você


_

Insensatez

(samba-de-breque-dub-para-dois)
-
-
Você está coberta de razão - da cabeça ao chão
Cortou o mal - e o bem - pela raiz
me fez cair de pé - em pé, por quase um triz
(mas sei muito bem, fui eu - e foi você quem quiz)

Você está coberta de razão (amor eu aprendi)
Insensatez é para outra ocasião
Quando passar outro bonde-coração
Vou pegar carona, descer n'outra estação
(e me lembrar de não esquecer o troco)

Você está coberta de razão - que pena
E eu todo torto na canção, porque
desejo que é desejo deseja não saber o porque
amor não se guarda nem é prá se prender
(pensando bem, a guarda nacional nunca amou, eu sei)

Você está coberta de razão (segura aí a direção)
Carro sem freio é mais-que-contravenção
Mas se a música é pra parar, então vamos parar agora
Pois saudade sem falta não dá para se chorar
E samba de breque sem breque não dá pra se acabar
(é que dói que dói - e eu já tenho que andar)






_

Homem-máquina

_
Você poderia me desligar agora
mas você não quer

Por isso eu odeio o amor
Por isso eu não amo

Eu sou o homem-máquina
Eu não consigo amar,
mas já posso odiar o amor

Você sabe, eu poderia ter você agora
Pedaço a pedaço
Eu poderia ter você agora, mas eu te odeio
com todos os meus nervos de aço,
com todos os meus falos

Eu já posso odiar o amor
e eu odeio tanto que quase posso achar
que quase posso dizer um dia
que quase te amo

Você poderia me desligar agora
mas você não quer
Eu poderia ter você agora
como todos os outros humanos

Eu já odeio o amor

tanto quanto você já pode odiá-lo
Tanto que já posso dizer que quase posso achar
que odeio tanto que quase posso amar

Mercúrio

.
Solto o paralelo
Amarelo
me desmancha
a tolerância
Desafio de amor
é azul distância
Ar erguido
ante a lembrança

Os peixes esquecem
Os peixes são felizes
Os peixes engolem
água, abandono
(Eu vou nadar
até a superfície)

O seu avesso é cortês
Soube de tudo mais de uma vez
E eu vou correr, eu vou beber,
eu vou cair, eu vou sumir
Até você fugir de mim
Até você render os cães no meu quintal
Mentir a noite inteira
para o fogo, a água e o sal
Mas minha dor é oriental
e agora é livrar a jóia do metal

A minha dor é oriental
De mina mata aqui o mal
Tomei a correnteza até o mar
e agora é livrar a jóia do metal

_

Andarilho

.
Pisando com meus sapatos
a poeira da rua
Chutando pensamentos
esquerdos, direitos
Tu és a lua espelhada
no pó da soleira
Embaixatriz malvada
(embaixadas)
nunca estás na chegada

Tu és a lua espelhada
no pó da soleira
Embaixatriz malvada
a noite inteira andei
chutando pensamentos
(arranhando estrelas)
Prá não lembrar que
nunca, jamais estarás
na chegada

_

Conselho Barato

.
Quando matam uma mina
acabam de morrer os mineiros
Os peitos livres
em mil brônquios acesos
A manhã, a tarde e a noite calmas,
e o fim do sono profundo na sala
pelo baque do escaravelho
na vidraça

Mestre Antônio
escutai este conselho
valioso de enxerido
e barato no dinheiro
Larga a refrega do martírio
Salva Joana Imaginária
do puteiro

(hoje acaba toda a jagunçada
sem bolir tijolo do terreiro)

Mestre Antônio
escutai este conselho
Larga a praça, toma o jornal
Ilumina os olhos de Santa Clara
em horário nobre nacional
Mestre Antônio guerrilheiro
Mestre pop conselheiral

_

Ver o peso

.
Minha perna manca equilibra,
levanta, se estica na estiva
(tá fundo, tá raso)
Mano eu tô panema
Tô caralhado desse esquema
ralado

venhav
eropes
ovenha

De alguma coisa de algo
de coisa alguma
De nossa senhora
Senhora de Nazaré
De sua senhora Belém do Pará
Dessa senhora Belém do Pará
(do nada)
A nadar, a passar por passará (da)
de urubus e urubus
de ouro e coca
A fluviar procissão humana
Rio no rio
de garrafas plásticas
sem água
(Minerar! Minerar!
Mminerar! Minerar!)

_

Capoeira geográfica

.
Capoeira
Poeira estelar
Um pé a levantar

Angola que umbiga
no perfil geográfico
Quebra-cabeça
quebra-brasileiro
Quebra-queixo
Um pé levitando
Espaço aberto no vácuo
Um pé levitando

Umbiga Angola
Move mares, abre fendas
para as oferendas
Iemanjá seca o oceano
e Angola é
lá e cá

Gravita a mão
segura o centro da Terra
quebra-queixo quebra-brasileiro

_

Mundo-açu

.
amazonas
seguras ao pêlo
...rios
....negros
....fios
...de cabelos
..nheengatu
nem eu
nem tu

Mundo-açu
borboletas
azuis
no cinza
céu
de aço

_

Rasante

.
Pena preta de urubu
em azul tingido de alto
No asfalto quente a mente
pensa em jipes de assalto

Sobressalto
Na mão direita
o sinal está fechado
ao som de música
para ambientes refrigerados

Meu coração hoje está lotado
Quarenta e quatro
passageiros sentados
O dia branco
guarda meus trocados
em porta-luvas
de insultos vermelhos metálicos

O céu um dia será meu
telhado
ao som de músicas
para ambientes refrigerados

_

São Cristóvão

.
Crucicristo
pendurado no espelho
Cruzes, Cristo
Lá vão eles em vão,
em vans, em vãos
Longe de sãos
Onde quer que se meta
o velovício,
a vertigem equilibrada
entre meios-fios
sobre calçadas

Gira a bola
bolada no meio do mato
Rola seu flerte estúpido
com o asfalto
até que se acabe
sob o pesado
lamento do metal


Velocidade gera violência
Tanto passa que traz
de novo a novidade
E a novidade é o carro de boi

_

Rosa

.
O centro do mundo é seu umbigo
(agora) passeio desprevenido
Entre pêlos eu desfio
Seu sorriso
Rosa

O meu estilo não combina
Nem mesmo é estilo (que se diga)
O meu estilo é o cio
O meu estio é o que diz:
agora!





_

Nicole quer bailar

.
Hoje acordei um pouco estranho
Senti o peito meio fanho
Sorri e não pensei tamanho
Menti, mas não contei o ganho

Te quero só pra brincar
Você também – só pra contar
Pegou carona lá no bar
e me esqueceu só pra lembrar






_

Em massa

.
A morte em massa
O beijo em massa
O sexo em massa
O café da manhã
O sorriso
em massa

A palavra escrita
O gosto pessoal
O segredo
...........de todos

O desejo em massa
O sossego noturno
O acorde na praça
A dor em massa
O computador
...............muito pessoal

(Eu penso que
há muito tempo para pensar num coletivo
O pensar em massa)

Seu automóvel
O amor da vida
A paixão desmedida
O caminho
O contorno
A originalidade
A identidade
em massa

Uma flor em massa
A solidão em massa
O caminhar em massa
O nome em massa

A compra
A venda
O gesto de contente
contentamento

Sigo irremediavelmente comovido
em massa


_

r de amo

.
o que quer dizer
afinal
o r da palavra amor?

Ao final de tudo, r
......................de rancor









_

Ter Irã

.
Por que o Irã não pode ter cinema?
Por que o Irã não pode ter foguetes?
Por que o Irã não pode ter urânio?
Por que o Irã não pode ter a bomba?

É assim que queres ter o Irã?
Ocidentemente, incocentemente?
Acidentalmente
o mundo mente

O Irã corta os dedos
dos seus bandidos
É a lei
Mas se a América pega um de jeito
só sobra mindinho
É a lei também
Almoxarife Omar Xarif: é a polícia
chamando todos os carros do mundo!

E o mundo se constrói mesmo é pelas beiradas
faroestes,
farolestes,
é pelas beiradas que o mundo se destrói

Eu quero Ter o Irã

_

Trinta e três voltas

.
trinta e três voltas em torno do Sol
trinta e três voltas e o nada
mudou
trinta e três voltas e faz muito sol
em torno do sol

trinta e três e você
se foi,
partiu
sua liga
da justiça
e voou

flutuando

em busca do espaço
e o espaço já é seu
espaço
em busca do nada
mudou

Trinta e três voltas
trinta e três voltas
trinta e três voltas
trinta e três voltas
trinta e três voltas
trinta e três voltas
trinta e três
não voltas

_

Sonata do esquartejador

.
Remexo
estilhaços
semanais,
colo com saliva e sêmen
..................destroços mensais
...................... das bombas multicoloridas
.................colocadas nas bancas de jornais

Passo em revistas
Já é improvável
juntar todos os pedaços
de todas as mulheres
esquartejadas pelo
gume do desejo

Improvável querer
aquela mulher inteira
de todas as mulhers
coladas pela goma do desejo

O olho procura os centros do universo
...........o pino central
.........do tudo de imagens

O olho caça
Afiada
a lente mole
do olho
molhado é
meu olhar
vermelho

quero teu pedaço
agora
já e só
agora teu
pedaço
intei
ro
.


_

Mourão deste mouro

.
O desejo me arrasta
A promessa me espera em casa
E eu espero este coletivo
sem itinerário
meio morto, meio vivo

O desejo me arrasta
O desejo me arrasta
O desejo me arrasta
A promessa em casa

O desejo arrasta comigo
as promessas esquecidas
até a porta de casa
(onde eu gostaria de dizer
que sempre desejo
estar com você)

_

Moedas

.
Todos os pedintes são canastrões
Todos os mendingos são charlatães

Os indigentes são os indigentes.












_

Fim da hora

.
Qualquer hora
é a hora do fim
quando se está perto do fim

de semana

o fim
do meu dinheiro
de minha vida

É estranho,
porque o fim
nunca acaba

aos poucos

O dinheiro nunca acaba
aos poucos
A moeda não se acaba
aos poucos
A cédula não se desintegrará
aos centímetros poucos
Os centavos
nunca se dividirão
um a um em cem
milhões
e poucos

O amor não acaba
assim
Depois do fim
virão ainda
milhões de letras em versos

sobrarão, iufetousdernsoiouer manoeik
represadas wwqtyqwfjfdoooiuaoi öuszas
blopiurdeospn naquele lago 8restqwert
aetwer que já lhe descrevia ewusopfviccoct
e lia
(tu nunca o verás com os pés nas águas)

A unidade
que sou
eu
nunca se acabará

aos poucos

o fim
da bebida é a gota
que nunca se acabará

aos poucos

qual a unidade além da gota?
qual a unidade aquém de mim?

_

Fotossíntese

.
Vou ao mercado
para ver as cores vítreas
Atravesso vitrines

Digo que também
me alimenta ver
de
ver
melho

_

E-stepes

.
Espero pelo fim
da geografia

Um estúpido em Londres
será sempre
um estúpido
em Londres

Mais respeito
com meus amigos
de Corumbá
Belém acaso
ergue também seu pico
à beira do mar

Observo atento
acenos
na estepe eletrônica

_

Forçando a vista

.
Para quem gosta
de você
mesmo

Ver uma vez só
basta
para gostar

(não faça tanto esforço)

Não me force
tanto a vista

Do começo:
tire agora esta roupa
que seu trabalho
escolheu para você

_

Estudos sobre a moda

.
Gosto não se discute
A moda repercute
em Milão
Gosto não se discute
Esta peça à prestação
Gosto não se discute
Esta moda incendeia
meu verão

É lençol curto,
bermudinha
chinelo, boné
camisa faltando botão

A moda não é
o gosto da estação
A moda é esta bomba
que caiu sobre toda a população

_

O amor não é esta palavra

.
A palavra amor
faz vibrar uma
caixa velha e rachada

A palavra amor
voou da antena
ao quarto de casa
O amor mesmo nunca saiu
da caixa torácica

A palavra amor
alcançou o ônibus
a palavra amor
faz instantâneo no bonde
Do amor,
o troco eu não
sei onde pus

O amor parece
que é palavra
mais dita
no pensamento do mundo
O amor não precisa
sair da boca do mudo

O amor parece
que é palavra
mas nem sai do peito
no fundo
No fundo o amor
não precisa sair
da boca do mudo

A palavra amor
quis o desfile da tinta no papel
a palavra amor
exigiu dez sentinelas em forma
alinhados e o pincel
O amor nunca verá tinta,
nem meus dedos
nem papéis

O amor, encapsulado,
teme guardar em si
todo o mundo
O que se parece
com o amor
pode mesmo inundar
todos os olhos do mundo

o amor não cabe
nem olhar
pro
fundo

_

Azar no dinheiro ou sorte no amor

.
Dinheiro nenhum tem dono
de fato
O dinheiro não é de ninguém
Dinheiro que não vai
não tem valor
Dinheiro em casa
é uma dor

E amor é para perder
e para dar
Aposto, o meu amor
não é de ninguém

Amor não é amor
quando se guarda
(a guarda nacional
nunca amou)

_

De fim e começo

.
A onda finalmente chega à praia
que acreditava-se destruída

Indescritível, o sol que parecia partido
reergue luz sobre meu espanto cinza

O vaso vermelho-sangue, enfim, conclui seu pulso:
é par, é óbvio, e desmente os débeis sinais de estanco

O milagre tem seu nome
O milagre sou mesmo eu
O milagre não é milagre:
se desfez para que restasse
prova viva de que eu era o único
que não sabia,
que o mundo todo resistia (ao fim)

É que amor escurece a partida
como cega, à primeira vista
Agradeço este raro momento que
me abre as pupilas
Pois o amor nos cega é com a luz do dia

deve saber: com as mãos é que eu Lia
Luz do dia, luz eu Lia

_

Sangrado

.
Misturar
o meu sangue ao teu
misturar segredos
aos teus
embaralhar discos, riscos

Passei dia dançando comigo
abrindo livros
desfazendo
bagunçando o instante
apresentando teu nome
a páginas e músicas

quero que saibas quem sou eu
quero que te espantes
ou te entregues
do tamanho
que já sou

teu

_

Domingo

.
A cor da minha solidão é verde
O silêncio a observa de um sofá amarelo
mudo meu gato branco
(um contraponto sincero e leal)
agora dorme à porta

Nunca esbarrei tanto
comigo
tão espalhado pela sala

Hoje não choveu o dia inteiro
Meu reino utópico vertical
lá em cima encontra o azul

Ocasionalmente
recebo visitas de ondas de
rádio, ou sinais de amor em raios práticos

Eu assim também poderia lhe visitar
agora

Mas poderia doer tanto
quanto ter que ficar,
agora

_

Flores de nada

.
Já havia algo de suspeito, sei
No dia em que não pude lhe entregar
as flores que lhe afagariam
a nossa primeira manhã seguinte

manhãs seguintes têm este poder
invencível
Arrastam milhares de pétalas
e cores para junto dos
corpos amantes

O primeiro buquê, apenas para minhas retinas.
O perfume só para o banco de meu carro.
Não pode. Não foi. Não.
Nunca imaginaria: um buquê
Sem o vaso das suas mãos.

Se já era suspeito,
por que sofro
com o último buquê?
Este da última manhã
das manhãs
das manhãs

As últimas manhãs têm este poder
invencível
de arrastar milhares de amantes
para junto da dor

Nunca imaginei: um buquê
sem o vaso das suas mãos.

Eis meu
ramalhete estanque
Amarrado pela base
amor represado
mar coalhado de
pétalas destroçadas
cor de nada
na memória

_

Três por quatro

.
Em Belém
um menino de bem
armado
de três reis magos
escolheu a
cidade do bem
amado

Três em um
quatro
cantos
três reis
magros
santos
são tantos
que eu nem
conto
prá não ficar
tonto

Trinta e um
Quatro
reis
sem sapatos
flutuam
para futuro
sem chão

São tantos Antônios
que estes três
reis
amargam
com doces
palavras
meu coração

Estes três
reis
armados
de quatro
presentes
em uma canção

Estes três
reis amados
são quatro
surpresas
de um caminhão

E esta estrela
reboca meu
presente
Pressente
comunhão

Como não?

_

General Motors

.
O dia só começou
e já está acabando
Hoje eu não quero ouvir
de novo estas bobagens montadas pelas ancas

Minha casa torta
tem desejo de mão direita
Aberta demais esteve minha porta
à cegueira luminosa
da governanta perfeita

Meu signo é o do motor à explosão
Se hoje tenho febre
é porque febre tenho
Se alguma idéia não me assalta
é porque nada mais falta
- ou fugiu pela janela
do quarto onde eu dormia

_

Unabomber

.
Hoje meus cabelos vivem
com sucesso uma particular
revolução

Num país-redemoinho particular
monges circulam
calmamente espetando a razão

É que estamos explodindo
disfarçadamente
no passeio no calçadão

Ante às cerquinhas das bromélias,
instaladas pelo próximo
homem-bomba de plantão,

Os passos largos
dos novos mastodontes
envenenados da estação

_

Mãos nuas

.
Se minhas mãos andam por aí,
Nuas, sem pudor,
Querem mesmo é encontrar
O teu nu
Mais colorado de rubor

O centro do universo é o seu umbigo
Eu só comecei a brincar

Amanhã ninguém notará
Minhas mãos
despudoradamente
andando nuas por aí

_

Uindous.til

.
Não quero esta ferramenta
para minha língua.

Cada vez que abro uma janela
Vejo um mundo cada vez mais cheio de gavetas

_

Tangram

.
Já conheço
este estado de coisas
Quando as coisas que eu
não conheço
me chegam em cartas
amarradas
a velhas mensagens tortas

Mas já lembrei
do recado deixado na porta
E já não importa
O não importa

Prá você que me rende
não vou ao encontro marcado:
saí,
estou morando ao lado

_

Alto do Bode

.
Do Alto do Bode
avistei a guerra
esquadrinhada em quarteirões

Em cima da água a terra
Em cima da terra a casa
Dentro da casa o homem
Dentro do homem o nada

Em cima do homem a terra
Em cima da terra o Sol
Dentro do Sol a noite
Dentro da noite todas as dores

É sempre preciso
uma carrada de terra
para que outras carradas de terra
possam passar
É sempre preciso

Sobre o aterro
faço uma casa
faço um enterro
subo um poste
ou um bardieiro

Vou caminhar sobre as águas
que não existem mais
vou mergulhar nesta lama-estado
alterado do sobreviver

Águas Claras
é um nome de cidade
de se viver
É um nome de cidade
que não vou ver
É um nome que cidade
não pode ter

Terra abatida

Água mole e pedra dura
tanto bate até que fura

Lama mole e pedra fura
tanto bate até que água

Fura mole e pedra água
tanto bate até que dura

Água mole, pedra dura
tanto é que se mistura

Água mole, terra fura
tanto faz até que dura

Água dura, terra mole
tanto bate até que lama

E se eu não
me fazer
este estado líquido
de se ver ter
só pedra vou ter

E com pedra meu fogo
acender


Existem os homens da terra
Existem os homens das águas
Eu sou do barro pisado
Sou da terra afogada
Sou da água enterrada
(ou sou este pote
com sede de beber?)

Serei o mar
com saudades da montanha
ou o azul abraço
que sente a Espanha

Serei a memória
do leito seco do rio?
Serei a história?

E no profundo da lembrança
debaixo da pedra
que não mais dançar
vou achar uma fenda
no estio

Será o fio d’água
desta meada
uu será o fim
no vazio do cio?

Ali para onde correu
toda água vazada
outra vida me aguarda
ou não sou mesmo
daqui?

- Acho que não sou mesmo daqui


_

A tristeza do jeca

.
A tristeza do jeca
não existe
A tristeza do jeca
é a tristeza do jeca
e estava nos olhos
de quem descobria o jeca

E é preciso alegria
Precisa alegria é preciso
De jeca que precisa
de onça e MDC

Esta alegria que prá roça vai trazer
onças douradas da OMC

Aí mato vai crescer
Vai crescer e aparecer
Mato vai crescer
Até a cidade correr

Aí, mato vai crescer
Vai crescer e aparecer
Ai, mato vai correr

Vá de cavalo prá não perder
Capinando em Haia
caboclo Barbosa
vai recorrer

_

A marcha

.
Me espanto
com quem não se espanta
Eu não gosto de gente
que não gosta de gente

(mas)

às vezes sinto imensa vontade
de não mais ver
nem mais vezes
mais ninguém

O bosque espera refém
cercado por pedras, por bípedes
A serpente tira a pele nos outdoors
Tira a pele nos outdoors a serpente

(João, o sinal da rua não explica
O sinal não explica tua sede
João, as laranjas não matam
As laranjas não matam tua sede)

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Miss Clima

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De costas para o Rio Branco
Esnobando o Acre inteiro
Garota do tempo
encoberto por nuvens
Eu quero ser o Rio de Janeiro

Pousando seus dedos
de chuvas esparsas
Sorrindo para o litoral inteiro
Garota do sol claro durante todo o dia
Eu sou Brasil de fevereiro

( Sinto um frio na espinha e não é à toa
É este furacão que se forma
agora à minha costa
Meus pés estão gelados, geladas as minhas mãos
É que está nevando agora dentro da televisão )

Eu vou dançar até chover
na minha cama

Se vais e voltas máxima
de 32 graus azuis brejeiros
Garota não dás a mínima
prá dois milhões de olhos secos

Pode a chuva me queimar
Pode o atlântico congelar
Garota, se hoje o sol não sair
quem vai se importar?

( Setembro e agosto me encharcam a camisa
O sorvete se derrete
antes de chegar à barriga
O sorvete se derrete
de forma besta e indecisa
O sorvete se derrete
nos lábios de miss clima )

Eu vou dançar até chover
na minha cama
Eu vou andar até secar
a minha lama

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Brasileiros invadem o mundo da moda

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Brasileiros invadem o mundo da moda
Mas não podem fazer o tal do carnaval
Brasileiros invadem o mundo da moda
Prá fazer seu tudo todinho igual

O mundo é tão igual, normal do anormal
O Bando do Luau, Mickey Mouse é o pedal

Brasileiros invadem o mundo da moda
Cavalera Miranda e o bando do luau
Eu já tenho vergonha de ser brasileiro
Eu já guardo na fronha ((do meu travesseiro))

O som do meu quintal, o breque maioral
O tom do meu varal, demais com colorau

Está certo, aqui você é quem manda
E com salsa em Cuba tá libre a Luanda
(Mas) brasileiros insistem em ser brasileiros
E misturam (demais)

Demais com colorau, o tom do meu varal
O hino matinal, o tal do carnaval

Brasileiros invadem o mundo da moda
A mulata entortando o pino da porta
(E) eu já acho que brega é ser brasileiro
Eu já guardo na fronha ((do meu travesseiro))

Brasileiros invadem o mundo da bola
Comprovando a existência do velho canal
Brasileiros invadem o mundo da moda
E a Bolívia passando muito (muito) mal
Na América Descentral

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Supernada

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O sol dispara seus raios
contra mim
Eu não tenho uniforme
Estou disforme assim

Estou mordido
Estou ferrado, estou varado
O inimigo venceu
E como doeu

(às vezes um parêntese enorme é necessário)

Enfrentando coletivos,
enfrentando calçadas
Inventando uma dança danada
Para a manifestação do nada
Para a amplificação do nada

(salve o supernada!!!)

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Marx Marex

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Marx Marex
É o cara mais moderno que eu já conheci
Usa tecnologia de ponta prá catar siri

No pulsar puçá prá catar siri (lata)
No pulsar puçá prá catar

Cidade de fato toca assim
O homem concreto de sol a si
Um dia na rua se viu por aí
Marx Marex catador de si

O mais moderno do Bengui
O homen da lata
O rei do Tupinambá F. Patroni
Marx Marex catador de si

Marx Marex catador de siri (lata)
Marx Marex catador de si

Ok, você é o líder
Você é quem manda
O moral, o considerado
Com sua ponta de lança
Voando (invisível) no céu da bonança
E dançando Marx Marex
Catador de si

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Arraial

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Segue quieto no ciso
Meu riso preciso (preciso do ar)

Fumo a fumaça no maço
Há cigarra, há cigarro no meu gargalhar

Gargalo pinga água de fogo
Na língua fogueira do meu assanhar

Coro no coro-socorro
Cabelos e dentes no couro a cravar

Girando e gritando e girando
Cavalgo, deslizo meu destrafegar

Giro e aceno pro medo
Com as pontas dos dedos mando se arredar

Gargalo pinga água de fogo
Na língua fogueira do meu assanhar

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Canção à prova d´água

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A cada dia
caído n’água
O calor que faz
em frio se espalha
E a noite traz o dia
Vestido de noite

Eu rio da barca
Eu rio da palavra
Eu cio no teu óleo
Eu crio com os olhos
No escuro do dia

Enquanto as estrelas seguem em linha reta
A canção me atravessa o Cruzeiro
O Sul sem Sol aponta pro meu peito
A casa à espera de uma carta

Creia na reza, creia na palavra
Solta à beira d’eira d’alma
A língua que me aponta o abismo
Toca tua cor e escreve o nome de casa

O vazio me importa agora
Agora me importa o vazio (o meu deus é o amor)

Sou um carro veloz no túnel de vento
Com meu perfil sólido reluzente
As minhas dores não me esmagam sobre o assento
Rasgo então este abrigo no seio do tempo

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Café BR

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Hoje não tem café
porque não tem açúcar
Hoje não tem café
porque faltou o gás
Hoje não tem café
porque acabou o copo
Hoje não tem café porque não tem café (porque me falta isso)

Hoje não tem café porque não tenho água
Hoje não tenho colher porque me falta filtro
Hoje faltou o gás porque não tenho copo
Hoje não tem café porque não tem café (porque me falta isso)

Borra!

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Vale quanto pesa

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Motoqueiro
sua vida vale muito mais
que este pedaço de massa quente

Eu sei
disseram que a vida agora é
só contar seus pontos, mas entende

Escore hardcore é prá quem nem cora
Escore hardcore é prá quem se escora
Escore hardcore é prá quem nem chora
E eu, cheio de palavras cortadas
em um papel colado de revistas peladas
pedindo um resgate de mim mesmo
com limão birita e mate (e mate)

Palavras são limas azedas que limpam a garganta...
palavras são rodelas azedas
detergentes de mentiras tantas

Vale quanto pesa

Seguro morreu de velho e o velho ainda rendeu o seguro
Segurando na mão de Deus eu vou até o escuro
Seu guru diz que tem a chave do futuro
Quanto vale esta vida ao peso do mundo?

Vale quanto pesa


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Linha reta

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A vida não é linha reta
Eu garanto
Não existe o triângulo-retângulo

A menor distância
não é a reta no pranto
A lágrima se curva
em seu rosto seu moço
A bala perdidase perde em desgosto
Na esquina
que se dobra a seu canto


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Espaço prá passear


Passeio ao lado

do recordista Anatoli no espaço:
- Espaço prá passear!

Assisto do passeio público e disfarço:

- Mais um passo sem calço, sem laço!
Amanhã metatarso exposto ou emplasto sabiá!
Roela e aço, ruela e passo...

Bólidos no colar do

Enfeitado mundo-açu
Sentidos esparsos
Sóis silvando silêncio em brilho
Como é gélido, dos deuses nas alturas,
O ouvido (o ouvido!)

- Espaço prá passear!

....................... (Nuas nuvens venus, nuvens
................................. nuas vêm, nuas vão, nuvens
................................ venu s nu vens)


...................................... Chão.


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