Alto do Bode

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Do Alto do Bode
avistei a guerra
esquadrinhada em quarteirões

Em cima da água a terra
Em cima da terra a casa
Dentro da casa o homem
Dentro do homem o nada

Em cima do homem a terra
Em cima da terra o Sol
Dentro do Sol a noite
Dentro da noite todas as dores

É sempre preciso
uma carrada de terra
para que outras carradas de terra
possam passar
É sempre preciso

Sobre o aterro
faço uma casa
faço um enterro
subo um poste
ou um bardieiro

Vou caminhar sobre as águas
que não existem mais
vou mergulhar nesta lama-estado
alterado do sobreviver

Águas Claras
é um nome de cidade
de se viver
É um nome de cidade
que não vou ver
É um nome que cidade
não pode ter

Terra abatida

Água mole e pedra dura
tanto bate até que fura

Lama mole e pedra fura
tanto bate até que água

Fura mole e pedra água
tanto bate até que dura

Água mole, pedra dura
tanto é que se mistura

Água mole, terra fura
tanto faz até que dura

Água dura, terra mole
tanto bate até que lama

E se eu não
me fazer
este estado líquido
de se ver ter
só pedra vou ter

E com pedra meu fogo
acender


Existem os homens da terra
Existem os homens das águas
Eu sou do barro pisado
Sou da terra afogada
Sou da água enterrada
(ou sou este pote
com sede de beber?)

Serei o mar
com saudades da montanha
ou o azul abraço
que sente a Espanha

Serei a memória
do leito seco do rio?
Serei a história?

E no profundo da lembrança
debaixo da pedra
que não mais dançar
vou achar uma fenda
no estio

Será o fio d’água
desta meada
uu será o fim
no vazio do cio?

Ali para onde correu
toda água vazada
outra vida me aguarda
ou não sou mesmo
daqui?

- Acho que não sou mesmo daqui


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